Todos os valores sociais – liberdade e
oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima - devem ser
distribuídos igualitariamente, a não ser que uma distribuição desigual de um ou
de todos esses valores traga vantagens para todos.
John Rawls. Uma Teoria da Justiça
As
políticas públicas e os problemas inerentes à sua implementação têm se
constituído, nos últimos anos, em um tema recorrente no Brasil, porém não têm
merecido a necessária atenção de modo a tornar-se um tema da agenda política
nacional. O que acontece no Brasil, segundo o Prof. Carlos Aurélio Pimenta
Faria1, é que existe uma babel de abordagens, teorizações
incipientes e vertentes analíticas, que buscam dar inteligibilidade à diversificação
dos processos de formação e gestão das políticas públicas em um mundo cada vez
marcado pela interdependência assimétrica. Esse caráter incipiente é
comprovado, por exemplo, pelo fato de qualquer exame da produção brasileira
recente evidenciar a quase inexistência de análises mais sistemáticas acerca
dos processos de implementação de políticas públicas, além da escassez dos
estudos de “pós-decisão” da institucionalização destas políticas.
O
histórico das iniciativas de modernização neste campo demonstra um elevado grau
de fragmentação e descontinuidade de ações com o consequente desperdício de
recursos e resultados insuficientes. As políticas públicas tornaram-se uma
categoria de interesse sócio-jurídico há aproximadamente vinte anos, havendo
pouco acúmulo teórico a respeito, o que desaconselha a busca de conclusões
acabadas, conforme será analisado
oportunamente.
Na verdade, conforme leciona a
Professora Maria das Graças Ruas2, em face da variedade de
teorias e conceitos sobre Políticas Públicas, enfocando, inicialmente, a
diferenciação social das sociedades modernas, no que tange às ideias, valores,
interesses e aspirações diferentes, existe a possibilidade de haver conflitos
sociais. Desta feita, esse possível conflito, decorrente dessa diferenciação
social, deveria ser mantido dentro de limites admissíveis. Para a resolução
desses conflitos, por meio da coerção, utiliza-se a política. A política, no
entendimento da citada professora3, seria um conjunto de
procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se
destinam à resolução pacífica de conflitos quanto a bens públicos. Já a
política pública compreenderia o conjunto de decisões e ações relativas à
alocação imperativa de valores.
Dentro
dessa perspectiva, pode-se inferir que a política pública envolveria mais do
que uma decisão e requereria diversas ações estrategicamente selecionadas para
implementar decisões tomadas. Conclui-se, nesse sentido, que as políticas
públicas representam os instrumentos de ação dos governos, numa clara
substituição dos “governos por leis” (government by law) pelos “governos
por políticas” (government by policies). O fundamento mediato e fonte de
justificação das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação
de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles que exigem uma
prestação positiva do Poder Público4.
Em
suma, políticas públicas são as decisões de governo que influenciam a vida de
um conjunto de cidadãos. São os atos que o governo faz ou deixa de fazer e os
efeitos que tais ações ou inações provocam na sociedade. O processo de
políticas públicas numa sociedade democrática é extremamente dinâmico e conta
com a participação de diversos atores em vários níveis. O desejável é que todos
os afetados e envolvidos em política pública participem o máximo possível de
todas as fases desse processo: identificação do problema, formação da agenda,
formulação de políticas alternativas, seleção de uma dessas alternativas,
legitimação da política escolhida, implementação dessa política e avaliação de
seus resultados. Políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação”, ou seja, é o Estado
implantando um projeto de governo, por intermédio de programas, de ações
voltadas para setores específicos da sociedade.
Há uma
questão que deve ser analisada previamente à definição de política pública: a
política não é uma norma e nem um ato jurídico, no entanto, as normas e atos
jurídicos são componentes da mesma, uma vez que esta pode ser entendida como “um conjunto organizado de normas e atos
tendentes à realização de um objetivo determinando”5. As normas,
decisões e atos que integram a política pública têm na finalidade da política
seus parâmetros de unidade. Isoladamente, as decisões ou normas que a compõem
são de natureza heterogênea e submetem-se a um regime jurídico próprio.
No
entendimento de Fábio Konder Comparato, “as
políticas públicas são programas de ação governamental”6. O
autor segue a posição doutrinária de Ronald Dworkin, para quem a política (policy),
contraposta à noção de princípio, designa aquela espécie de padrão de conduta (standard)
que assinala uma meta a alcançar, no mais das vezes uma melhoria das condições
econômicas, políticas ou sociais da comunidade, ainda que certas metas sejam
negativas, por implicarem na proteção de determinada característica da
comunidade contra uma mudança hostil. Nas palavras de Dworkin:
Os argumentos de princípio se propõem a
estabelecer um direito individual; os argumentos políticos se propõem a
estabelecer um objetivo coletivo. Os princípios são proposições que descrevem
direitos; as políticas são proposições que descrevem objetivos.7
Segundo
defende Maria Paula Dallari Bucci, há certa proximidade entre as noções de
política pública e de plano, embora aquela possa consistir num programa de ação
governamental veiculado por instrumento jurídico diverso do plano. Complementa
Maria Paula Dallari Bucci:
A política é mais ampla que o plano e
define-se como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos
do governo, com a participação dos agentes públicos e privados. […] A política
pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do programa. Há, no
entanto, um paralelo evidente entre o processo de formulação da política e a
atividade de planejamento.8
Desta
forma, a referida autora define políticas públicas como sendo programas de ação
governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados. As políticas públicas podem ser entendidas como o
conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no
domínio social, por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem
fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos e direitos
fundamentais dispostos na Constituição.
Há
que se fazer a distinção entre política pública e política de governo, vez que
enquanto esta guarda profunda relação com um mandato eletivo, aquela, no mais
das vezes, pode atravessar vários mandatos. Deve-se reconhecer, por outro lado,
que o cenário político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas
duas categorias. A cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de
partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa
o poder é abandonada pela gestão que o assume.
Inegável,
por certo, que o estudo das políticas públicas no Brasil foi marcado
profundamente pela evolução sociológica do Direito como um todo, acompanhando a
consolidação do chamado Estado democrático de direito, o Estado constitucional
pautado pela defesa dos direitos de liberdade e pela implementação dos direitos
sociais. No Estado constitucional, pautado pelas teses do novo
constitucionalismo, a função fundamental da Administração Pública é a
concretização dos direitos fundamentais positivos, por meio de políticas
públicas gestadas no seio do Poder Legislativo ou pela própria Administração9,
políticas estas formuladas por intermédio de intelecção sociológico-política.
Referências Bibliográficas
1. FARIA, Carlos Aurélio Pimenta. Um
Inventário Sucinto das Principais Vertentes Analíticas Recentes. In Revista
Brasileira de Ciências Sociais (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Ciências Sociais ),
Vol. 18, Número 51, fevereiro de 2003, p. 21-31.
2. RUAS, Maria das Graças. Análise de Políticas Públicas: Conceitos
Básicos. In: Maria das Graças Ruas; Maria Izabel
Valladão de Carvalho. (Org.). O estudo da política. Brasília: Paralelo 15, 1998,
v. , p. 231-260.
3. RUAS, Maria das Graças. Op. Cit., p. 231.
4. BUCCI, Maria Paula Dallari. As
políticas públicas e o Direito Administrativo. Revista Trimestral de
Direito Público, n. 13, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 135.
5. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio
sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos
Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.
6. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio
sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos
Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.
7. DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. Tradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. 134.
8. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito
Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 259.
9. Segundo constata Maria Paula
Dallari Bucci, a exteriorização das políticas públicas se afasta de um padrão
uniforme e claramente apreensível pelo ordenamento jurídico. Por vezes, podem
ser instituídas por leis, como a Política Nacional de Recursos Hídricos – Lei
n.º 9.433, de 1997; outras vezes, são consubstanciadas em emendas
constitucionais, como no caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, criado pela Emenda
Constitucional n. 14/96; em outros casos, podem ainda decorrer de atos
administrativos isolados ou ordenados em programas, como as políticas de
transporte municipal. (BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. Cit., 2002, p. 257).
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