segunda-feira, 29 de julho de 2013

CRITÉRIOS PARA A AUTORIZAÇÃO DE CURSOS DE MEDICINA: UMA NOVA POSOLOGIA PARA ANTIGAS ENDEMIAS



Autores: Rafaella Marinelli Lopes[1]
Daniel Cavalcante Silva[2]

“Matar um homem para salvar o mundo não é atuar para o bem do mundo. Imolar-se a si mesmo, eis o que é agir bem.”
Confúcio

Recentemente o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) n.º 621, de 8 de julho de 2013, que institui o “Programa Mais Médicos” para o Brasil cujo objeto principal é a implementação de política pública voltada ao desenvolvimento da área médica em regiões defasadas dos provimentos mais básicos de saúde. O programa propõe a adoção de novos paradigmas para o avanço da saúde pública nacional, incluindo a criação de novas instituições de medicina e a formação elevada de médicos em áreas consideradas contingentes. Imbuído desse pretexto, a Medida Provisória traçou um novo marco regulatório para a autorização de cursos de medicina, o qual é totalmente diverso de todos os outros cursos no Brasil.
Como é cediço, o Decreto no 5.773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior, servia de referencial regulatório para os processos de autorização dos cursos de graduação médica no país. A partir de julho de 2013, porém, dadas as alterações propostas pela MP n.º 621/2013, referido curso passou a ser uma excepcionalidade dentre as demais graduações, não sendo mais abalizado pelo decreto acima, conforme será explicado adiante.
Precedentemente, desde que observadas normas gerais da educação nacional e mediante autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, os cursos de medicina dependiam somente da iniciativa privada para que fossem estabelecidos. Ou seja, o Ministério da Educação, por meio sua Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), distribuía entre esses as funções de regulação do referido curso. O fluxo normal do processo para autorização do curso de medicina perpassava pelo caminho normal disciplinado pelo Decreto n.º 5.773, de 2006[3], rendendo observância à manifestação, teoricamente não vinculativa, do Conselho Federal de Medicina, previamente à autorização pelo Ministério da Educação. Esse era o procedimento até então utilizado.
O processo atual, porém, fora completamente alterado, não bastando a livre iniciativa da faculdade particular para que a graduação médica seja autorizada. Após a Medida Provisória 621/2013, o Poder Público delegou total competência ao Ministro da Educação para dispor de regulamentações abruptas quanto à abertura e autorização do funcionamento dos cursos de medicina no território nacional, até mesmo porque a suma moção do “Programa Mais Médicos” é distribuir os futuros profissionais em territórios carecidos dos provimentos mais essenciais à saúde.
Nas disposições gerais da referida Medida Provisória, dentre as diversas diretrizes propostas, está a de estabelecer mais recursos humanos na área médica, destinados aos seguintes objetivos: atender regiões prioritárias com carência de médicos, fortalecer a prestação de atenção básica de saúde, aprimorar a formação médica, inserir os médicos no SUS contatando-os com as políticas públicas nacionais, promover a troca de conhecimentos entre profissionais de saúde brasileiros e estrangeiros e estimular a área de pesquisa aplicada ao Sistema Único de Saúde. Ou seja, busca-se uma ampliação educacional e prática na formação médica, proporcionando maior adesão dos futuros profissionais à verdadeira realidade da saúde pública disposta pelo país. 
Não se podem perceber planos retroativos ou que ferem a independência do liberalismo profissional médico, como muitos contra-atacam, visto que as vagas de estudos e serviços estarão sendo concorridas por qualquer estudante de medicina com a pretensão de atender profissionalmente regiões precárias. Receberão, para tanto, bolsa-auxílio do governo federal e, acima de tudo, se beneficiarão do aprendizado na área pública de saúde e nas políticas públicas que nela são amplificadas. O que há, indiscutivelmente, é a fidedigna aspiração em pulverizar os futuros médicos em formação pelo país, a fim de acudir áreas completamente defasadas nos quesitos saúde e atendimento público.
Em princípio, a asserção do programa é projetar o estímulo à iniciativa das instituições privadas para a abertura de novos cursos de medicina em áreas ainda em desenvolvimento potencial. A prioridade, portanto, serão regiões com menor relação de médicos por habitante, desde que sejam capazes de ofertar campo de prática suficiente e com os instrumentos necessários aos alunos aprendizes. Este, porém, é um dos pontos conturbados e muito criticados do dispositivo publicado pela Presidência, pois, como é de conhecimento geral, a saúde pública no país é desprovida por completo dos seus recursos mais elementares. 
Contudo, de acordo com o projeto, para o desenvolvimento das ações oferecidas, diversos instrumentos de cooperação entre o poder público e outros organismos privados acondicionados à causa. Ou seja, o organismo público, levando em conta sua própria insuficiência programática e orçamentária, buscou se amparar em outros órgãos internacionais, instituições de ensino superiores nacionais e estrangeiras e outras entidades privadas para a concretização do seu projeto, inclusive no que diz respeito ao repasse de recursos financeiros a essas instituições, que se comprometerão também em fomentar essa política governamental.
Preliminarmente, tais cursos serão autorizados a se estabelecerem somente em regiões de extrema precariedade, não sendo passível a abertura de novas graduações médicas em locais saturados desses profissionais. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, primeiro colocado no equacionamento do número de médicos por habitante - estimado em 2,82 segundo o estudo “Demografia Médica no Brasil 2” e divulgado pelo Conselho Federal de Medicina -, torna-se impraticável a proposta do “Programa Mais Médicos”. Isto porque o Sudeste e o Sul brasileiros trazem grandiosos números de vagas em suas instituições, além de vultosos instrumentos para a formação “ensino-serviço” dos discentes que, mesmo depois de formados, permanecem agregados nessas localidades desenvolvidas por conta das vistosas ofertas de trabalho.
Para que ocorra a pré-seleção dessas extensões ineptas, onde serão instalados os cursos de medicina, o Ministério da Educação editou a Portaria Normativa no 13, a qual institui alguns procedimentos de apuração dos municípios que anseiem aderir ao programa por meio de instituições de educação superior privadas. Tais procedimentos adotados são pré-requisitos excludentes das cidades interessadas e compreendem a relevância e a necessidade sociais do curso ofertado em determinada região, assim como a estrutura dos equipamentos públicos e programas de saúde existentes e disponíveis. A apuração dos municípios aptos ao funcionamento desse tipo de graduação será de competência da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), assim delegada pelo próprio Ministro da Educação.
Após passar pelos critérios de admissão da SERES, competente pela apuração discorrida acima, o município requisitado deverá celebrar termo de adesão com essa mesma Secretaria com o objetivo de efetivar sua inclusão em edital de chamamento público. Eleitas as melhores propostas educacionais para a abertura dos cursos de medicina, serão publicados os nomes das instituições vencedoras, as quais serão subsidiadas pela estrutura do Serviço Único de Saúde (SUS) de cada regional selecionada. Caso a estrutura municipal convocada não contenha todos os elementos adequados e postos à disposição, a SERES também fica responsável pela verificação da disponibilidade de estruturas em outros municípios integrantes da mesma região.
Ademais, novas portarias serão editadas para direcionar minuciosamente os novos procedimentos de autorização. Por conseguinte, as mesmas portarias estarão aptas a alterar os demais órgãos públicos em suas anteriores competências com relação aos atos autorizativos dos cursos médicos. Entenda-se, porém, que a partir das novas alterações, se promovida à lei a referida medida provisória, o Ministro da Educação terá totais poderes de redirecionar todo o processo de autorização, congênere ao que aduz o artigo 3o da aludida medida.
Vivemos, certamente, uma situação de caos e desespero na saúde pública, tendo em vista que a mesma não tem a instrumentalização devida e é desprovida de recursos mais capitais, motivo pelo qual uma única esperança é latente: a mudança. Se não ocorrerem alterações nos planos de disposição das unidades básicas de saúde por todo o território nacional, a começar pelo atendimento básico, pelos recursos e profissionais capacitados a atenderem a rede pública, permaneceremos com regiões ainda sub-humanizadas e definhando ao descaso.
A perspectiva de autorização dos cursos de medicina com base na sistemática acima já é o começo das novas alterações na saúde pública que estão por vir e que irão surpreender ainda mais. Uma maior e melhor distribuição das faculdades de medicina e, consequentemente dos médicos em extensões precárias, é muito mais que investir basicamente na saúde. É, antes de tudo, iniciar a humanização de regiões brasileiras subdesenvolvidas, desprovidas do direito social mais básico do ser humano.
Por outro lado, a justificativa de apenas autorizar cursos de medicina em locais considerados prioritários pode abrir um perigoso precedente em outros cursos de graduação, que podem adotar o mesmo critério e, com isso, causar uma estagnação no setor. Da mesma forma, a adoção dos critérios acima também pode transformar o discurso da prioridade em um discurso meramente político, tendo em vista que essa posologia foi utilizada em um passado recente e não curou a endemia da falta de médicos em áreas efetivamente necessitadas.




[1]. Graduanda em Direito pela Universidade Paulista (UNIP) de São José do Rio Preto.
[2]. Sócio da Covac Sociedade de Advogados; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UniCEUB/DF; MBA em Direito e Política Tributária pela FGV/DF, Membro Honorário da Associação Internacional de Jovens Advogados (AIJA); Membro do Grupo de Pesquisa em Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFFIC); Professor de Direito Tributário; Professor da Escola Superior da Advocacia OAB/DF; Autor de vários artigos nacionais e internacionais; Membro da Comissão do Terceiro Setor da OAB/DF. Laureado com o Prêmio Evandro Lins e Silva, concedido pela Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB. Indicado com um dos dez advogados mais admirados no setor de educação, Revista Análise Advocacia 500, 2012. Diversos títulos e prêmios obtidos no país e no exterior.
[3].  Art. 29.  São fases do processo de autorização:
I - protocolo do pedido junto à Secretaria competente, instruído conforme disposto no art. 30 deste Decreto;
II - análise documental pela Secretaria competente;
III - avaliação in loco pelo INEP; e
IV - decisão da Secretaria competente. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

ENSINO SUPERIOR PRIVADO: UMA ESTATIZAÇÃO SILENCIOSA




             Desde a segunda metade do século passado, não tão passado assim, o equilíbrio entre o setor público e privado na educação superior, em termos de instituições e matrículas, foi profundamente alterado diante da constatada expansão do ensino superior privado no país. Em 1980, o setor privado já era numericamente predominante, chegando a responder por cerca de 63% das matrículas e 77% dos estabelecimentos de ensino superior[1]. Após um breve período de estagnação, com a Constituição Federal (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1966), o setor educacional privado voltou a crescer, correspondendo atualmente a 75% do total de matrículas no ensino superior[2]. Esses percentuais demonstram a importância das entidades privadas no desenvolvimento da educação no país.
            No entanto, em que pese a evidente importância das entidades privadas para o desenvolvimento do ensino superior nas últimas décadas, pode-se constatar que o poder público vem implementando uma série de medidas que depreciam e minimizam a livre iniciativa no desenvolvimento do ensino superior, chegando-se à constatação última de que o Estado vem estabelecendo uma estatização silenciosa no setor, conforme será explicitado adiante.
             Não convém conjeturar as ideologias político-partidárias por trás de tais procedimentos, entretanto, resta evidente que a recente tentativa de expansão do ensino superior por meio das instituições públicas, embora considerável, foi pífio, insuficiente e bastante aquém se comparado com o setor privado nos últimos anos. Para se ter uma ideia, os dados do Censo da Educação Superior, extraídos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelam que enquanto as instituições públicas perderam 2% de alunos em 2011, na comparação com 2010, as entidades privadas cresceram 20%[3]. Trata-se de uma comparação que revela uma grande desproporcionalidade na gestão do setor público e privado no ensino superior.
            Com base nos dados acima, o Estado passou a adotar outra estratégia para consecuções públicas, adotando uma política de governo se como fora uma política de estado. Sob o manto de um vetusto aforismo[4] e da busca por uma certa qualidade na educação superior, o Estado passou a criar uma série de regras que não somente impõe controle às entidades privadas, mas também limitam a livre iniciativa. Essa limitação pode ser constatada por meio de um escalonamento de regras, as quais evidenciam o monopólio total do estado sobre o setor, o que se consubstancia em um curioso conceito de estatização do setor educacional privado.
            Como é cediço, para que uma Instituição de Ensino Superior (IES) possa funcionar é necessário o ato administrativo de credenciamento e de autorização dos cursos, ambos exarados pelo Ministério da Educação. Ao credenciar uma instituição, no entanto, o MEC autoriza o funcionamento de no máximo cinco cursos[5]. Para pedir novos cursos, a IES deve ter ao menos 50% dos cursos já autorizados devidamente reconhecidos[6], caso contrário, o pedido de autorização de novos cursos será sumariamente arquivado. Essa é uma regra criada por meio de uma Portaria, a qual simplesmente estabelece critérios limitadores da Lei n.º 9.304, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), do Decreto n.º 5.773, de 9 de maio de 2006[7] e, principalmente, do art. 209 da Constituição da República, que dispõe que o ensino é livre a iniciativa privada, atendida as condições de cumprimento das normas gerais da educação nacional, autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Nesse sentido, questiona-se: é possível uma portaria normativa estabelecer normas gerais da educação nacional?
            A criação de cursos de graduação em direito e em medicina, odontologia e psicologia, inclusive em universidades e centros universitários, ainda deverá ser submetida, respectivamente, à manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde, previamente à autorização pelo Ministério da Educação. A limitação ainda é maior.
            Imbuído desse espírito restritivo à livre iniciativa privada, o Ministério da Educação também exarou a Portaria Normativa n.º 1, de 25 de janeiro de 2013, a qual estabelece pequenos prazos para que uma entidade mantedora possa requerer a expedição de atos regulatórios (credenciamento, recredenciamento, autorização, reconhecimento, etc.) pelo MEC. De acordo com referido ato normativo, uma entidade mantenedora terá apenas dois meses durante o ano para solicitarem que o Ministério da Educação exare algum ato regulatório, a exemplo da autorização de novos cursos.
            Ou seja, se uma instituição desejar solicitar a abertura de novos cursos, terá que fazer o pedido nas janelas que se abrem em apenas dois meses durante todo o ano, de acordo com os prazos fixados nos anexos da referida portaria. Dentre as várias regras vinculadas à Portaria Normativa n.º 1, de 25 de janeiro de 2013, está aquela segundo a qual os prazos acima somente serão exercidos na hipótese de não ocorrência de impugnações ou recursos. Em outras palavras, além das limitações inicialmente impostas às IES na ocasião do seu credenciamento e autorização de novos cursos, o MEC estabelece novas condições que limitam o período para a prática de atos regulatórios e também estabelece, de maneira enviesada, cerceamento ao direito de defesa quando uma entidade ou algum de seus cursos solicitados forem mal avaliados.
            As medidas estabelecidas pelo poder público para os atos de credenciamento de novas instituições e abertura de novos cursos se consubstanciam em um evidente limite imposto à iniciativa privada, uma vez que restringem a liberdade da entidade mantenedora provocar ou pedir um ato administrativo ao poder público.
            Por outro lado, em outra posologia, para que uma instituição possa ofertar o ensino superior, a LDB estabelece que entidade ainda possua capacidade de autofinanciamento[8], ou seja, a capacidade de geração de resultados econômicos operacionais que possibilitem financiar inteiramente, ou grande parte, o capital de giro e os investimentos necessários para a manutenção dos cursos superiores com a qualidade almejada pelo MEC. Essa exigência, somada com a livre concorrência, faz com que as instituições venham a aderir as políticas públicas criadas pelo Estado, como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Sem a adesão a tais programas é praticamente inviável que uma IES possua capacidade de autofinanciamento e de mantença de um curso superior com a qualidade exigida pelo MEC. A reste respeito, o Ministério da Educação tem plena consciência disso.
            Sendo o Programa Universidade para Todos (Prouni) uma política pública necessária e vital para as entidades privadas de ensino superior, essas têm a obrigação de se submeterem às suas regras, calcada em um sinalagma entre troca de bolsas de estudo e isenção fiscal. A instituição que aderir ao Prouni tem a obrigação, dentre outras, de possuir certidão de regularidade fiscal e não ter cursos com avaliação insatisfatória, nos termos da Lei do SINAES[9].
            Da mesma forma, sendo o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) igualmente vital para a manutenção das IES, resta patente que as entidades também devem render atendimento às regras da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, que instituiu o Fies, o qual possui natureza contábil e que é destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação própria.
            As instituições que aderem ao Fies com o objetivo de manter a sua capacidade de autofinanciamento passam a depender de critérios extremamente subjetivos para que o Governo Federal possa efetuar a recompra dos créditos das bolsas ou da compensação de créditos tributários. Ou seja, a instituição que adere ao Fies fica adstrita ao bom humor do Governo Federal na ocasião do adimplemento de sua parte no programa. Nesse caso, o Fies denota uma total dependência das IES ao Governo Federal, fazendo com que as entidades se submetam a critérios inexistentes na lei, a exemplo do prazo para o pagamento dos créditos do programa (recompra ou compensação tributária).
            Sendo o Prouni e o Fies políticas públicas determinantes para subsidiar a capacidade de autofinanciamento das IES, sobretudo porquanto o próprio MEC eleva sobremaneira os custos da entidade em busca de uma “qualidade” equiparável às entidades públicas, quase nunca penalizadas, fica constatado que o MEC se arvora desse dois programas para impor exigências, algumas vezes ilegítimas, a exemplo da exigência de Certidões de Regularidade Fiscal. Ora, se os programas acima visam equacionar problemas decorrentes justamente do equilíbrio econômico-financeiro de uma IES, a exemplo do pagamento de tributos, não se afigura razoável exigir as referidas certidões. Nesse caso, o MEC passa a atuar como agente da Receita Federal, desvirtuando a sua finalidade regulatória e fiscalizatória. Esse desvirtuamento de função já foi rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões em que um determinado órgão público se arvorava na condição de fiscal da Receita Federal.
            O que se pode notar é que o MEC passa a fazer exigências ilegítimas com o objetivo de limitar as atividades da iniciativa privada.
            Em outra situação não menos elucidativa, o Governo Federal aprovou o chamado Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), instituído por meio da Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, cujo escopo visa assegurar condições para a continuidade das atividades de entidades mantenedoras de ensino superior com dificuldades financeiras. O Proies é um programa de recuperação tributária, com evidente inspiração na Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, regulada pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, prevendo ainda a concessão de moratória e parcelamento de débitos. O programa pode ser atrativo para a entidade que esteja em dificuldades financeiras, mas, ao mesmo tempo, bastante restrito e com sérias implicações para a instituição que aderir ao parcelamento, haja vista que as consequências da sua saída após adesão de forma voluntária e ou involuntária são nefastas.
            Os requisitos para manutenção no Proies abrangem praticamente todas as esferas de atuação de uma mantenedora de entidade de ensino superior[10] e outorga ao Ministério da Educação poderes de fiscalização quase que absolutos. No modelo criado pelo Proies, o MEC passa a funcionar como um interventor de fato e a instituição abre mão de qualquer planejamento ou projetos de expansão em favor do fiel cumprimento do plano de recuperação apresentado.
            A instituição que aderiu ao Proies assumiu obrigações que revelam o alto grau de comprometimento da vida financeira da entidade com os programas do Governo, tais como: concessão do Prouni com bolsa integral, adesão ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) com 100% aberto à demanda de bolsas e adesão ao Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC). Esse alto grau de comprometimento pode levar à situação de que uma instituição aderente possa funcionar por meio da concessão de 100% de bolsas do Prouni, do Proies e participantes do FIES, além da limitação de sua autonomia administrativa. Seria uma forma de total estatização de uma entidade privada.
            Por fim, não bastassem todas as formas de controle das entidades privadas de ensino superior, o Governo Federal ainda encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) n.° 4.372/2012, que propõe a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes). O projeto prevê a submissão de praticamente todos os atos de uma entidade privada de ensino superior a esta nova autarquia, a qual assume o status de agência sem o ônus a esta atribuída. O PL n.° 4.372/2012, em seu art. 3º, estabelece de maneira objetiva as competências do Insaes, que seriam as seguintes:
       I - formular, desenvolver e executar as ações de supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos de educação superior no sistema federal de ensino, de acordo com as diretrizes propostas pelo Ministério da Educação, e em consonância com o Plano Nacional de Educação;
       II - expedir instruções e estabelecer procedimentos para a aplicação das normas relativas à sua área de competência, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação;
       III - autorizar, reconhecer e renovar o reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais;
       IV - instruir e exarar parecer nos processos de credenciamento e recredenciamentos de instituições de educação superior;
       V - acreditar instituições de educação superior e cursos de graduação;
       VI - realizar avaliações in loco referentes a processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior e de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais, e diligências para verificação das condições de funcionamento dessas instituições e cursos; e
       VII - supervisionar instituições de educação superior e cursos de graduação e sequenciais, quanto ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos padrões de qualidade da educação superior, aplicando as penalidades e instrumentos previstos na legislação;
       VIII - decretar intervenção em instituições de educação superior, e designar interventor, nos termos de lei específica;
       IX - designar, após indicação do Ministério da Educação, instituição de educação superior pública para a guarda do acervo acadêmico de instituições descredenciadas, conforme regulamento;
       X - conceder, renovar concessão e supervisionar a regularidade do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS, quanto às entidades de educação superior e de ensino básico, observados os requisitos e a sistemática da Lei no 12.101, de 27 de novembro de 2009;
       XI - constituir e gerir sistema público de informações cadastrais de instituições, cursos, docentes e discentes da educação superior, e disponibilizar informação sobre a regularidade e qualidade das instituições e cursos da educação superior e a condição de validade de seus diplomas;
       XII - aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino; e
       XIII - articular-se, em sua área de atuação, com instituições nacionais, estrangeiras e internacionais, mediante ações de cooperação institucional, técnica e financeira bilateral e multilateral.

            É importante esclarecer que as competências e atribuições do Insaes são demasiadamente genéricas, pois serão objeto de regulamentação posterior. Embora seja uma proposta bastante subjetiva, não se pode dizer que o Projeto de Lei n.° 4.372/2012 seja uma proposta principiológica, haja vista que o subjetivismo proposta sugere que toda a regulação deva ser feita por meio de decreto ou outro ato normativo. De acordo com a nova estrutura proposta, o Insaes assumiria toda a competência de avaliação hoje desenvolvida pelo INEP, além das competências de regulação e supervisão. Em outras palavras, o novo instituto teria competência para avaliar, exarar o ato regulatório (credenciamento, autorização de curso, etc.) e supervisionar as instituições, além de intervir em todos os atos privados das entidades, cobrando taxa de legalidade contestável sobre essa atividade fiscalizatória.
            Com base nas constatações fático-legais acima, pode-se observar que o Estado adotou uma estratégia restritiva à livre iniciativa no ensino superior, transformando os mecanismos regulatórios em mecanismos restritivos à atividade educacional privada. O Estado regulador que hoje se propõe, segundo as teorias socioeconômicas modernas, não visa restringir direitos à livre iniciativa, mas regular o mercado para a concorrência. A utilização do controle pelo Ministério da Educação, sob o manto da busca de uma pseudo qualidade da educação superior, ultrapassa os limites da mera regulação e incide no conceito de estatização de parte das instituições privadas.
            Ao superdimensionar e concentrar a avaliação, regulamentação e supervisão do ensino superior, sobretudo em face do novo instituto que está em vias de criação (Insaes), o MEC passa a interferir diretamente em todas as esferas de atuação de uma entidade mantenedora de ensino superior, restando muito pouca, ou quase nada, liberdade à livre iniciativa, situação esta que subsume-se em um silencioso quadro estatização no setor.




[1]. Sampaio, Helena. Ensino superior no Brasil – o setor privado. São Paulo: Fapesp/Hucitec, 2000.
[2]. O setor privado de ensino superior no Brasil: continuidades e transformações. Revista Ensino Superior. São Paulo: 2011. Disponível em: http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/o-setor-privado-de-ensino-superior-no-brasil-continuidades-e-transformacoes#_ftnref7 Acesso em 28 de janeiro de 2013.
[3]. Dados para o futuro. Revista Ensino Superior. São Paulo: 2012. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=12368. Acessado em 28 de janeiro de 2013.
[4]. “Se não der para vencê-los, junte-se a eles.”
[5]. Art. 8º, §1º, da Portaria Normativa n.º 40, de 12 de dezembro de 2007, republicada em 29 de dezembro de 2010.
[6]. Art. 11-A, §3º, da Portaria Normativa n.º 40, de 12 de dezembro de 2007, republicada em 29 de dezembro de 2010.
[7]. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino.
[8]. Art. 7º, III, da Lei n.º 9.304, de 20 de dezembro de 1996.
[9]. Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).
[10]. Art. 8o  A manutenção da instituição no Proies é condicionada ao cumprimento dos seguintes requisitos, por parte da mantenedora da IES, sob pena de sua revogação: 
I - regular recolhimento espontâneo de todos os tributos federais não contemplados no requerimento da moratória; 
II - integral cumprimento do plano de recuperação econômica e tributária; 
III - demonstração periódica da capacidade de autofinanciamento e da melhoria da gestão da IES, considerando a sustentabilidade do uso da prerrogativa disposta no art. 13, nos termos estabelecidos pelo MEC; 
IV - manutenção dos indicadores de qualidade de ensino da IES e dos respectivos cursos; e 
V - submissão à prévia aprovação dos órgãos referidos no parágrafo único do art. 5o de quaisquer aquisições, fusões, cisões, transferência de mantença, unificação de mantidas ou o descredenciamento voluntário de qualquer IES vinculada à optante. 
Art. 9o  O plano de recuperação econômica e tributária deverá indicar, detalhadamente: 
I - a projeção da receita bruta mensal e os respectivos fluxos de caixa até o mês do vencimento da última parcela do parcelamento de que trata o art. 10; 
II - a relação de todas as dívidas tributárias objeto do requerimento de moratória; 
III - a relação de todas as demais dívidas; e 
IV - a proposta de uso da prerrogativa disposta no art. 13 e sua viabilidade, tendo em vista a capacidade de autofinanciamento. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

ADVOGANDO PARA A ADVOCACIA!




            Em épocas de eleições para as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, é possível observar intensas mobilizações dos colegas advogados em prol de alguma justificativa ideológica que lhes credenciem ao prestigioso múnus de assumir a representatividade da OAB em suas respectivas regiões. Com o decorrer dos anos, a disputa eleitoral na OAB ganhou contornos político-institucionais, em alguns casos, muito mais amplos do que algumas eleições municipais, demonstrando a importância deste pleito.
            Como advogado sediado em Brasília, embora com escritórios em outras regiões do país, pude constatar, ao longo da minha carreira profissional, que essa disputa é vista sob dois pontos de vista aparentemente antagônicos: com entusiasmo, muitas vezes cego e acrítico, ou por meio de uma atitude de total indiferença. Os entusiastas geralmente estão inseridos na composição de alguma chapa e os indiferentes estão voltados exclusivamente para os seus escritórios. Independentemente da opção, ambos estão ligados pela importância que a OAB representa para a sociedade.
            No entanto, quando o advogado se depara com determinados embates eleitorais em algumas seccionais, depara-se também com situações que lhe impõem assumir uma posição de ostracismo, eis que algumas campanhas são guiadas pelo cabedal meramente econômico e pessoal. Nessas campanhas, não se busca uma coesão para a advocacia, tão fustigada no quotidiano forense, mas a coesão para um projeto pessoal ou mesmo político. A OAB, por intermédio de suas seccionais, se transforma em um trampolim profissional para ambições políticas, conforme se pode constatar nas recentes eleições municipais, assim como ocorreu no município de São Paulo.
            Na esmagadora maioria das seccionais da ordem, porém, pode-se observar que as disputas são marcadas por um dualismo quase inexistente, ou seja, as propostas e as ideias praticamente não se divergem, pois são alçadas como plataformas comuns: transparência, gestão participativa, atenção aos interesses dos advogados, defesa das prerrogativas, etc. As pequenas diferenças entre os projetos, a exemplo da recorrente proposta de diminuir o custo da contribuição de interesse da categoria (anuidade), se afigura como uma migalha que jamais deveria ser considerada como uma proposta de fato. Parece o leilão de quem dá menos, o que jamais deveria ser objeto de consideração pelo advogado.
            Como o dualismo de propostas e ideias é praticamente inexistente, a disputa então sai da esfera institucional e entra na esfera moral. O advogado passa a ser vasculhado em sua vida profissional e pessoal, sendo moralmente interpelado por aquilo que fez ou deixou de fazer no contexto profissional. Até mesmo o critério ético é invocado quando da escolha de um membro da composição de chapa, sob o vetusto argumento calcado no provérbio bíblico: “diz-me com quem tu andas e eu te direi que és.” Nesse caso, o candidato é avalizado até mesmo pelo que não fez.
            Concomitantemente, as mídias sociais também passaram a ser utilizadas como instrumentos eleitoreiros no pleito das seccionais da OAB, assim como acontece nas demais campanhas para cargos públicos no país. Ao contrário da liberdade que se supõe a um cidadão comum em plena campanha para o pleito ao legislativo municipal, por exemplo, com a utilização de alcunhas por vezes jocosas, o advogado deve ter responsabilidade e a consciência sobre a extensão daquilo que divulga nas mídias sociais. No entanto, não é isso que se observa na prática.
            O que se pode constatar é que as mídias sociais vêm sendo utilizadas pelos advogados, em suas respectivas campanhas, como uma forma de conspurcar a imagem do opositor imediato, desabonando as boas qualidades do profissional em face do pleito. O candidato utiliza-se do Twitter para desejar bom dia e boa noite aos eleitores, além de escudar-se em vários partidários para propagar qualquer tipo de informação, verídica ou não. O e-mail de todos os advogados do Brasil sofre com a enxurrada de spans dos candidatos, sem ao menos dar a oportunidade para o advogado se manifestar sobre a intenção de recebê-los, o que valeria uma atitude volitiva por parte do Conselho Federal da OAB. O Facebook é utilizado para a pretensa divulgação da plataforma eleitoral, mas muitas vezes perde até o sentido.
            Em Brasília, por exemplo, há um grupo de discussão no Facebook intitulado “OAB/DF” (https://www.facebook.com/groups/OABDF/), com um moderador e com mais de três mil convidados, cujo objetivo seria discutir propostas entre todos os candidatos que concorrem no pleito local. No entanto, o que se pode extrair do referido grupo de discussão é a existência de achincalhamentos pessoais, inclusive de advogados que nada têm a ver com o pleito, além do marketing pessoal mais rasteiro e de discussões filosóficas sem qualquer sentido. A ideia é extremamente válida, mas alguns advogados distorcem o mecanismo justamente porque têm interesse eleitoreiro no funcionamento enviesado desta mídia social.
            O advogado, na qualidade de profissional eminentemente político, haja vista que, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social[1], tem o dever de assumir uma posição valorativa dentro do contexto eleitoral nas respectivas seccionais da OAB. A discussão moral em torno de um pleito representativo em alguma seccional da OAB se consubstancia em uma discussão moral sobre a própria atuação do advogado, prodigalizando a imagem do mesmo em face de uma única virtude e salvaguarda, a sua própria honra, prevista no art. 31 da Lei n.° 8.906, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
            Em outras palavras, a disputa eleitoral para as seccionais da OAB muitas vezes é procedida de forma que desqualifica o advogado como merecedor de respeito e também não contribui para o prestígio da classe e da advocacia, assim como disciplina o dispositivo supracitado. Se o próprio advogado candidato revela temor, insegurança, insatisfação moral e até mesmo desprezo para com o seu oponente imediato, evidentemente que passa a demonstrar certo anseio ou aflição aos princípios que permeiam a atuação do outro profissional e, por via de consequência, da própria profissão. Não imagine que a sociedade esteja alheia a esses fatos.
            A predominância da percepção negativa acima corrói e reduz os fundamentos que atribuíram à advocacia um ideal de excelência profissional em prol da sociedade, o que contribui para a desvalorização do advogado e da advocacia. Nesse sentido, no campo das práticas morais e das formulações éticas correspondentes, vive-se o domínio e o incentivo à exclusividade da individualidade. Esta muito tem fascinado as pessoas, conduzindo-as prioritariamente à busca de soluções de seus problemas[2]. Talvez seja justamente esse o grande dilema em torno de algumas disputas eleitorais para as seccionais da OAB.
            O mandato para a representação local da OAB, enquanto múnus público, assume o papel norteador de toda forma de conduta do advogado em cada seccional, devendo o advogado compreender que ele representa muito mais do que um mero ente representativo, mas que também que faz parte de um corpo moral e coletivo esperado por toda sociedade, dotado de prerrogativas que visam a defesa do cidadão e do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, a disputa eleitoral na OAB deve ser objeto profundas reflexões para que o pleito não venha a macular a imagem do advogado e da advocacia.
            A representação da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil se constitui como a expressão do altruísmo que todos os advogados deviriam ter em benefício da própria profissão, assim como na lição de Nietzsche: “a nossa fé nos outros revela aquilo que desejaríamos crer em nós mesmos.”[3] Nesse sentido, advogar em prol do respeito, do bom senso, da acuidade e do zelo no processo eleitoral na OAB é advogar para a própria advocacia, eis que, independentemente do ganhador, a representatividade da ordem será espelho de nós mesmos.



[1]. Art. 2°, §1°, da Lei n.° 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.
[2]. SILVA, Daniel Cavalcante. O Direito do Advogado em 3D: uma análise sobre o advogado moderno e um legado às gerações futuras. Brasília: Ensinamento Editora, 2012, p. 91.
[3]. NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Editora Martin Claret, 1999, p. 56.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

MORATÓRIA, PARCELAMENTO E RECUPERAÇÃO TRIBUTÁRIA: INSTITUTOS TRIBUTÁRIOS PREVISTOS NA LEI Nº 12.688, DE 18 DE JULHO DE 2012 – CONHECENDO O PROIES




Daniel Cavalcante Silva[1]
Kildare Araújo Meira[2]
1 – Introdução; 2 – Plano de Recuperação Tributária; 3 Moratória para as Instituições de Educação Superior; 4 Definição de Grave Situação Econômico-Financeira para Efeito de Adesão ao Programa; 5 – Requisitos para a Adesão ao Parcelamento Tributário; 6 – Consequências da Exclusão do Proies; Conclusão; Referência Bibliográfica.


1 – Introdução


            Recentemente, o Governo Federal aprovou o chamado Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), instituído por meio da Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, cujo escopo visa assegurar condições para a continuidade das atividades de entidades mantenedoras de ensino superior com dificuldades financeiras.
            O programa, que poderia ser considerado como uma importante política pública estatal, é implementado por meio de institutos de Direito Tributário, tais como a moratória e o parcelamento tributário (modalidades de suspensão da exigibilidade da obrigação tributária), ambos imiscuídos na conceituação do chamado “plano de recuperação tributária”, cujo conteúdo se afigura como vanguarda na legislação tributária.
            O Proies se inicia por intermédio da conjugação dos três institutos tributários: aprovação de um plano de recuperação tributária, concessão de moratória de débitos tributários federais e parcelamento de débito em até 180 meses, com a possibilidade de quitação de até 90% destas parcelas por meio da concessão de bolsas de estudo.
            Dentro desse contexto, o programa apresenta objetivos claros e perseguidos ao longo de todo texto legal, quais sejam: viabilizar a manutenção dos níveis de matrículas ativas de alunos; exigir das entidades qualidade no ensino de acordo com resultados positivos das avaliações usadas pelo Ministério da Educação (MEC); possibilitar a recuperação dos créditos tributários da União; e, ampliar a oferta de bolsas de estudo integrais para estudantes de cursos graduação.
            O Proies é um programa que pode ser atrativo para a entidade que esteja em dificuldades financeiras, mas, ao mesmo tempo, bastante restrito e com sérias implicações para a instituição que aderir ao parcelamento, haja vista que as consequências da sua saída após adesão de forma voluntária e ou involuntária são nefastas.
            Em que pesem as peculiaridades do Proies, resta patente que o mesmo se afigura como um ambicioso e sofisticado programa governamental, haja vista que transita por alguns institutos do direito tributário e implementa um projeto de recuperação tributária muito semelhante aos processo de recuperação judicial. Além do mais, o projeto enceta providências que imbricam o direito tributário e o direito educacional relacionado aos atos regulatórios da educação superior, fazendo com que o desiderato de recuperação financeira da instituição coincida com a melhoria dos seus indicadores educacionais, aferidos por meio de periódicas avaliações feitas pelo Ministério da Educação.
            Dentro desse cenário, o presente artigo visa apresentar o programa em suas múltiplas facetas, sobretudo em razão da diversidade de alguns institutos tributários aplicados em uma só legislação, o que materializa a qualidade de vanguarda.

2 – Plano de Recuperação Tributária


            A implementação do Proies se inicia por meio do chamado plano de recuperação tributária, o qual é elemento objetivo e essencial para a adesão e manutenção da entidade no programa, nos termos do art. 4° da Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012 [3]. Em que pese a referida legislação ser de natureza predominantemente tributária e com certos aspectos educacional, o legislador utiliza-se a todo momento de conceitos oriundos do direito empresarial.
            O plano de recuperação tributária, prevista na lei do Proies, tem inspiração evidente na Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, regulada pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que garante benefícios especiais às empresas em dificuldades em contrapartida à perda significativa de sua autonomia financeira e gerencial. A recuperação judicial, nos termos objetivdos em lei, é um procedimento destinado a sanear a situação de crise econômico-financeira da empresa devedora, viabilizando a manutenção de suas atividades, desde que comprovada a viabilidade econômica. Essa recuperação, segundo Láudio Camargo Fabretti, “apresenta inúmeras vantagens não só no que concerne à celeridade do procedimento judicial, mas principalmente por manter a empresa em atividade, gerida por administrator judicial e sendo submetida à fiscalização do Comitê de Credores e do juiz.”[4]
            Um dos grandes méritos apontados na Lei n.° 11.101, de 2005, é a prioridade dada à manutenção da empresa e dos seus recursos produtivos. Ao acabar com a concordata e criar as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, a nova lei potencializa a abrangência e a flexibilidade nos processos de recuperação de empresas, através do desenho de alternativas para o enfrentamento das dificuldades econômicas e financeiras da empresa devedora. Nesse sentido, de acordo com a sistemática da referida legislação, a recuperação extrajudicial seria a primeira tentativa de o devedor resolver seus problemas financeiros diretamente com os credores.
            Imbuído desse espírito, o Proies, ao propor o plano de recuperação tributária, propõe igualmente um projeto de recuperação extrajudicial fiscalizado diretamente pelo poder público, ou seja, é um plano inovador sob o ponto de vista também do direito empresarial. Dentro desse cenário, com foco na preocupação do crescente do passivo tributário das Instituições de Ensino Superior (IES), considerando que em face da natureza jurídica de tais instituições (grande parte associação ou fundação) e consciente da extrema regulação que tais entidades sofrem, o Governo Federal teve o mérito de encontrar uma forma de estas entidades terem legalmente uma forma de recuperação administrativa e em combinação com seu órgão regulador, o Ministério da Educação.
            Ressalte-se que o plano de recuperação tributária implica necessariamente em uma análise minudente sobre cada curso, vagas a serem oferecidas, análise de custos, cortes e investimentos que serão necessários em função de reconhecimento ou renovação de reconhecimento de curso, ou mesmo de recredenciamento da Instituição em função do que estabelece a Lei do SINAES. Importante ressaltar que este plano terá como base a situação econômico-financeira e regulatória, inclusive considerando que será ou serão objeto(s) objeto de oferta de vagas somente  o( s) curso(s) da instituição com conceito(s) positivo(s).
            A proposta de repactuação de débitos tributários, prevista pela Lei nº 12.688, de 2012, envolve a possibilidade de significativos benefícios, como também restrições. Não obstante, tais vantagens só poderão ser gozadas por entidades que cumprirem as rígidas prerrogativas estabelecidas pelo diploma, dentre elas o cumprimento de plano de recuperação tributária.
            Conforme extraído do texto legal, o plano apresentado deverá ser calcado em estudos e projeções contábeis, devendo conter os seguintes elementos:
a)        projeção da receita bruta mensal e os respectivos fluxos de caixa até o mês do vencimento da última parcela do parcelamento;
b)        relação de todas as dívidas tributárias objeto do requerimento de moratória;
c)        a relação de todas as demais dívidas;
d)        a proposta de uso da prerrogativa de quitação do parcelamento por meio do oferecimento de bolsas e sua viabilidade, tendo em vista a capacidade de autofinanciamento.
            Além de representar uma radiografia total da situação econômico-financeira da entidade, a comprovação da capacidade de autofinanciamento, especificada pelo supracitado item “d”, é de fundamental importância e deverá ser fornecida por auditoria externa especialmente contratada para este fim.
            É importante constatar que a perspectiva de pagamento de 90% da parcela de 1/180 avos mensal, por meio da concessão de bolsas fornecidas ao Proies, deve considerar o fato que pode não existir demanda de bolsistas suficientes para tanto em todos os cursos, realidade que se opera no Programa Universidade para Todos (Prouni), em funcionamento desde 2005.
            Desta feita, resta claro que a proposição de um plano de recuperação tributária, aos moldes de um plano de recuperação judicial, mesmo considerando ser um avanço sob o ponto de vista normativo-tributário, se afigura como um preceito que necessita de extrema acuidade e zelo, sobretudo porque deve projetar a saúde econômico-financeira da instituição durante os próximos quinze anos, o que se afigura como algo bastante complexo em face do porvir.

2 – Moratória para as Instituições de Educação Superior


            A Instituição de Educação Superior (IES) que aderir ao Proies terá o direito à concessão de moratória das dívidas tributárias federais vencidas até 31 de Maio de 2012, em observância ao art.155 do Código Tributário Nacional[5]. Como é cediço, o CTN estabelece que a moratória é uma das modalidade de suspensão do crédito tributário[6], sendo compreendida como um benefício dado pelo credor ao devedor consistente na dilação ou prorrogação do prazo de vencimento da obrigação tributária.
            Paulo de Barros Carvalho[7] define moratória como sendo uma “dilação do intervalo de tempo estipulado para implemento de uma determinada prestação. Desta maneira, com a moratória, a parte credora terá o prazo de pagamento de sua dívida ampliado”. Ou, como simplesmente define Luciano Amaro, “a moratória consiste na prorrogação do prazo (ou na concessão de novo prazo, se já vencido o prazo original) para o cumprimento da obrigação.” [8]
            No caso do Proies, os tributos vencidos até 31 de Maio de 2012 serão consolidados na data do requerimento e só se iniciarão o pagamento da primeira parcela no 13ª mês após a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deferir a moratória e o parcelamento, com a aprovação do plano de recuperação mormente apresentado.
            Insta enfatizar que a legislação permite a inclusão no Proies de todas as dívidas tributárias federais da mantenedora da IES, na condição de contribuinte ou responsável, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, vencidas até 31 de maio de 2012. Desta forma, todo tipo de tributo federal, incluindo impostos e contribuições, poderão ser repactuados. Não obstante, tendo em vista o âmbito exclusivo da PGFN, não será possível a inclusão de débitos oriundos do Tribunal de Contas da União (TCU).
            A previsão de inclusão na moratória de dívidas onde a entidade é mera responsável tributária abre espaço para a quitação, por exemplo, de impostos retidos na fonte e contribuição previdenciária da parte do empregado, o que possui implicações favoráveis inclusive esfera criminal, tendo em vista a incidência de apropriação indébita previdenciária[9] no caso de não recolhimento destes tipos de tributos.
            Saliente-se que a existência de outros parcelamentos não serão empecilhos para adesão ao novo programa, de modo que o Proies admite a concomitância com outros parcelamentos ou a migração daqueles para o Proies, conforme planejar o aderente, mas todas essas situações devem constar no plano de recuperação tributária, já que a adimplência do corrente (inclusive prestações de parcelamentos concomitantes) é condição para manutenção no Programa.
            Sendo assim, de acordo com a sistemática adotada no Proies, resta evidente que este não pode ser encarado sobremaneira como um programa de parcelamento genérico, assim como foi o caso da série Refis, Paes e Paex, haja vista que o referido programa adota contornos mais abrangentes na medida em que cria interconexões das matérias tributárias, societárias e educacionais, até então não implementadas no cenário legal no país.


4 – Definição de Grave Situação Econômico-Financeira para Efeito de Adesão ao Programa


            A Lei n.° 11.101, de 2005, que regulamenta a Recuperação Judicial e Extrajudicial, em seu art. 47, estabelece a recuperação com o objetivo de superar a situação de crise econômico-financeira da empresa[10]. Não obstante, a Lei de Recuperação Judicial deixa para que o devedor, em sua petição inicial, possa explicitar as causas concretas de sua situação patrimonial e as razões da crise econômico-financeira de sua empresa, nos termos do art. 51 da referida legislação.
            Conforme explicitado alhures, o Proies foi influenciado objetivamente pela Lei de Recuperação Judicial no que tange aos objetivos precípuos relacionados à “crise econômico-financeira”, no entanto, diferencia-se justamente nesse mesmo conceito.
            O Proies se afigura como um programa inovador sob o ponto de vista legal porque restringe a sua adesão somente às entidades de ensino superior em grave situação econômico-financeira. Sob esse aspecto, dada a amplitude daquilo que poderia ser considerado como “grave situação econômico-financeira”, ao contrário da sistemática adotada pela Lei de Recuperação Judicial, o Proies estabelece um mecanismo inovador para parametrizar aquilo que seria preconizado como “grave situação econômico-financeira”.
            A fórmula encontrada pelo legislador para a definição desta gravidade está na divisão do montante integral das dívidas tributárias federais vencidas até 31/05/2012 pelo número de alunos matriculados nas IES vinculadas à mantenedora, de acordo com os dados disponíveis do Censo da Educação Superior em 31/05/2012. Caso esta operação resulte em valor igual ou superior a R$ 1.500,00, a entidade estará em grave situação econômico-financeira e apta a aderir ao Proies[11].
            Dentro desse cenário, a legislação prevê que o cálculo deverá levar em consideração o montante de dívidas tributárias vencidas, inscritas ou não em dívida ativa, ajuizadas ou não e com exigibilidade suspensas ou não. O cálculo para verificar aquilo que a lei considera como “grave situação econômico-financeira” é razoavelmente simples de ser efetuado.
            Importante reiterar que o número de matrículas a ser utilizado não deverá ser aquele verificado quando da realização do cálculo, mas sim o disponível no Censo de Educação Superior na data de 31 de maio de 2012. A utilização de base de dados de matrícula equivocado resultará em dados inconsistentes e aptos a trazer gravosas consequências à IES.
            Observe-se que o critério previsto em lei para considerar uma “grave situação econômico-financeira” é absolutamente objetivo, o que implica dizer que muitas instituições não podem se valer do Proies por não se enquadrarem na condição de “grave situação econômico-financeira”, critério parametrizado para evitar a subjetividade da conceituação. Sendo assim, pode-se inferir que o programa foi esquadrinhado para socorrer instituições que efetivamente estão com reais problemas econômico-financeiros, pressuposto este inexistente em outros programas de parcelamento. Essa ilação também enseja o entendimento de que o sistema de controle do Proies será muito mais rígido do que os mecanismos até então presentes em outros parcelamentos.

5 – Requisitos para a Adesão ao Parcelamento Tributário


            O requerimento de moratória e adesão ao Proies deverá ser apresentado na unidade local da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) até 31 de dezembro de 2012, acompanhado dos seguintes documentos:
a)        requerimento com a fundamentação do pedido;
b)        estatutos sociais e atos de designação e responsabilidade de seus gestores;
c)        demonstrações financeiras e contábeis, nos termos da legislação aplicável;
d)        parecer de empresa de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras e contábeis;
e)        plano de recuperação econômica e tributária em relação a todas as dívidas vencidas até 31 de maio de 2012;
f)         demonstração do alcance da capacidade de autofinanciamento ao longo do PROIES, atestada por empresa de auditoria independente, considerando eventual uso da prerrogativa disposta no art. 13;
g)        apresentação dos indicadores de qualidade de ensino da IES e dos respectivos cursos;
h)        relação de todos os bens e direitos, discriminados por mantidas, bem como a relação de todos os bens e direitos de seus controladores, administradores, gestores e representantes legais, discriminando a data de aquisição, a existência de ônus, encargo ou restrição de penhora ou alienação, legal ou convencional, com a indicação da data de sua constituição e da pessoa a quem ele favorece; e,
i)          a alteração dos controladores, administradores, gestores e representantes legais da mantenedora da IES implicará nova apresentação da relação de bens e direitos prevista no inciso VIII.

            Além dos documentos de praxe e do plano de recuperação tributária, devidamente analisado, importante ressaltar que o pedido de adesão ao Proies demandará a apresentação de vasta documentação financeira envolvendo não só a entidade como de seus representantes. Tal exigência denota um potencial interesse em futuros redirecionamentos de cobranças para os gestores da entidade em caso de exclusão do parcelamento.
            A medida, entretanto, deverá respeitar o disposto pelo art. 135 do CTN[12] e não poderá ser adotada de forma arbitrária e com intento meramente arrecadatório. Contudo, ressalte-se que certamente, em caso de exclusão a PGFN irá direcionar as execuções contra pessoas e todos os bens inforamdos, sem sequer atentar as disposições do mencionado art. 135 do CTN. Ao contrário do previsto pelos textos anteriores da Medida Provisória nº 559, de 2012, e do Projeto de Lei  de Conversão nº 13, de 2012,  as entidades controladas por grupos estrangeiros ou pessoas residentes no exterior poderão participar do Proies.
            Os débitos discriminados no requerimento de moratória serão consolidados na data do requerimento e deverão ser pagos em até 180 prestações mensais e sucessivas, a partir do 13º mês subsequente à concessão da moratória, sendo cada prestação do parcelamento calculada e atualizada de acordo com as regras estabelecidas na própria legislação do Proies[13].
            É possível a inclusão de débitos anteriormente parcelados, desde que a mantenedora da IES apresente pedido de desistência da antiga repactuação, sendo que os débitos discutidos e impugnados judicialmente também poderão ser incluídos após a desistência e renúncia das alegações de direitos sobre as quais se fundem os referidos processos administrativos e judiciais.
            Como já mencionado, as IES poderão pagar até 90% do valor das prestações mensais mediante a utilização de certificados de emissão do Tesouro Nacional, em contrapartida às bolsas PROIES concedidas pelas mantenedoras para estudantes de cursos superiores não gratuitos com avaliação positiva conduzidas pelo MEC ou Conselho Estadual de Educação.
            A manutenção das IES no parcelamento demanda extremo cuidado e zelo por parte das entidades e está adstrita ao cumprimento de exigências contábeis, administrativas, regulatórias e tributárias, dentre elas:
a.        não atraso de três parcelas, consecutivas ou não, ou de uma parcela, estando pagas todas as demais;
b.        regular recolhimento de todos os tributos federais não inclusos na moratória, o que implica dizer que a partir de Junho de 2012, todos os tributos deverão ser recolhidos tempestivamente, inclusive parcelamentos concomitantes;
c.         integral cumprimento do plano de recuperação;
d.        demonstração periódica da capacidade de autofinanciamento e melhora da gestão da IES, considerando a possiblidade das bolsas PROIES serem efetivamente ofertadas e utilizadas;
e.         manutenção dos indicadores de qualidade exigido pelo MEC;
f.          submissão ao MEC, independente da natureza da mantenedora, à criação, expansão, modificação e extinção de cursos, além de ampliação ou diminuição de vagas.
g.        submissão à prévia aprovação do MEC de quaisquer aquisições, fusões, cisões, transferência de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário;
h.        manutenção da adesão ao Prouni com oferta exclusiva de bolsas integrais;
i.          manutenção da adesão ao Fies sem limitação do valor financeiro;
j.          e manutenção da adesão ao Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC).

            Como se pode constatar, os requisitos para manutenção no Proies abrangem praticamente todas as esferas de atuação de uma mantenedora de entidade de ensino superior e outorga ao Ministério da Educação poderes de fiscalização quase que absolutos.       Insta salientar que tais medidas estão em consonância com a ideia de plano de recuperação, na esfera judicial, em que a empresa aderente tem a gerência de um interventor. No modelo criado pelo Proies, o MEC passa a funcionar quase como um interventor e a instituição abre mão de qualquer planejamento ou projetos de expansão em favor do fiel cumprimento do plano de recuperação apresentado.
            Importante também constatar o alto grau de comprometimento da vida financeira da instituição com os programas do Governo, tais como: concessão do Prouni com bolsa integral, adesão ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) com 100% aberto à demanda de bolsas e adesão ao Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC). Esse alto grau de comprometimento pode levar à situação de que uma instituição aderente possa funcionar por meio da concessão de 100% de bolsas do Prouni, do Proies e participantes do FIES, além da limitação de sua autonomia administrativa. Seria uma forma de estatização de uma instituição.
            Além do alto grau de comprometimento acima referido, a legislação do Proies estabelece a previsão de autorização prévia do MEC para operações societárias como fusões e cisões, sendo ainda expressa ao dispor que na hipótese de extinção, incorporação, fusão ou cisão da optante, a moratória será revogada e o parcelamento rescindido.

6 – Consequências da Exclusão do Proies


            Conforme já asseverado, não se pode tratar o Proies como um simples parcelamento e fazer o que muitos contribuintes fizeram no passado, aderir ao programa já sabendo que não conseguiria concluir o parcelamento, mas se beneficiaria com uma evidente postergação do problema. No entanto, tal estratégia em relação ao presente programa, além dos riscos de execução imediata da dívida, traz consequências diretas para o próprio negócio mantido pela instituição, pois a saída voluntária ou involuntária do programa redundará no descredenciamento da IES[14].
            A legislação entende a saída do programa (sem a finalização do pagamento de todas as parcelas) como uma declaração de incapacidade de autofinanciamento (inciso III do art. 7o da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996) e determina a imediata abertura de processo de supervisão para materializar o descredenciamento da IES.
            É possível verificar que haverá comunicação entre o Ministério da Educação e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, de forma que qualquer descumprimento das condições estipuladas, sejam elas de natureza regulatória/educacional ou tributária, resultará na exclusão do parcelamento e instauração de processo administrativo de descredenciamento da instituição.
            Desta feita, pode-se concluir em bom português, quem não pagar as parcelas corretamente, não pagar os tributos correntes em dia, não tiver avaliações positivas perante o MEC ou descumprir qualquer outra regra do Proies, será excluído do programa e responderá a supervisão que objetiva o descredenciamento da instituição.
            É imprescindível constatar também que em relação às instituições filantrópicas (Entidades Beneficentes de Assistência Social), a discussão sobre a sua qualificação por meio da concessão do CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) poderá implicar no desligamento do Proies, já que o não reconhecimento da imunidade tributária, nesse caso, redundará no lançamento de créditos tributários e, por via de consequência, nas causas legais de exclusão do programa. Para entidades filantrópicas, o Proies pode não se afigurar como uma vantagem de fato.

Conclusão


            Não restam dúvidas que, dependendo da gravidade da situação econômico-financeira da Instituição de Ensino Superior, esta pode ser uma excelente oportunidade para repactuação dos débitos tributários federais vencidos até 31/05/2012, já que além da moratória de doze meses, será possível a quitação dos tributos mediante o oferecimento de bolsas de estudo previstas no programa, de forma que apenas 10% das parcelas mensais precisariam ser quitadas em moeda corrente.
            Por outro lado, tal como ressaltado alhures, o Proies não deve ser encarado como um novo parcelamento extraordinário, assim como o Refiz ou Paes, já que as condições de adesão e manutenção no programa são extremamente restritas e a exclusão da mantenedora deste parcelamento resultará, virtualmente, na inviabilidade de sua operação na medida em que a penalidade prevista para o descumprimento do programa é o descredenciamento da IES.
            Por essa razão, o programa deve ser analisado com extrema cautela antes de sua adesão, pois trata-se de uma opção que pode mudar o destino de uma Instituição de Educação Superior, motivo pelo qual recomenda-se a contratação de profissionais e auditorias capacitadas, já que é fundamental a elaboração de um plano de recuperação tributária fidedigno e apto a ser cumprido.
            Para isso, é necessário um estudo profundo das condições financeiras da entidade, certificando o atendimento de todos os pré-requisitos de adesão e da viabilidade de autofinanciamento e manutenção dos índices educacionais ao longo de toda a repactuação. Ademais, é importante que seja analisada a situação regulatória da Instituição e considerar que em caso de não preenchimento de vagas em bolsas Proies, o pagamento do percentual não preenchido deverá ser feito em moeda corrente.
            Por fim, insta reconhecer que o programa é deveras inovador, pois congrega importantes institutos de direito tributário em uma só legislação, além de igualmente mesclar regras de dois ramos do direito: tributário e educacional. Com efeito, o Proies propõe a concepção de um novo caminho jurídico que será construído em uma perspectiva interdisciplinar e inovadora, caminho este até então desconhecido na legislação pátria.


Referência Bibliográfica


AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2001.

FABRETTI, Láudio Camargo. Fusões, aquisições, participações e outros instrumentos de gestão de negócios: tratamento jurídico, tributário e contábil. São Paulo: Atlas, 2005.



[1]. Sócio e Advogado do escritório Covac Sociedade de Advogados; Professor de Direito Tributário; Membro do Grupo de Pesquisa em Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFIC); Membro Honorário da Associação Internacional dos Jovens Advogados (AIJA); Especialista em Direito Tributário e Mestre em Direito e Políticas Públicas; Diversos artigos nacionais e internacionais publicados.
[2]. Sócio e Advogado do escritório Covac sociedade de advogados, Pós-Graduado  em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Ensino e Pesquisa – IBEP e Instituto Brasileiro de Direito Processual –IBDP, Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília – UCB,  sócio e  membro da Associação Brasileira de Direito Tributário; Secretário Geral da Fundação de Assistência Judiciária da OAB/DF;  Professor da ESA-OAB/DF: Curso Questões atuais de defesa Tributária. Diversos artigos publicados.
[3]. Art. 4o  O Proies será implementado por meio da aprovação de plano de recuperação tributária e da concessão de moratória de dívidas tributárias federais, nos termos dos arts. 152 a 155-A da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, em benefício das entidades de que trata o art. 3o que estejam em grave situação econômico-financeira.
[4].  FABRETTI, Láudio Camargo. Fusões, aquisições, participações e outros instrumentos de gestão de negócios: tratamento jurídico, tributário e contábil. São Paulo: Atlas, 2005, p. 183.
[5]. Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora:
I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele;
II - sem imposição de penalidade, nos demais casos.
Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só pode ocorrer antes de prescrito o referido direito.
[6]. Art. 151, inciso II, do CTN.
[7]. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 516.
[8]. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 379.
[9]. Código Penal: Decreto-Lei n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000).
[10]. Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
[11]. Lei n.° 12.688, de 18 de julho de 2012.
Art. 4°.
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Parágrafo único.  Considera-se em estado de grave situação econômico-financeira a mantenedora de IES que, em 31 de maio de 2012, apresentava montante de dívidas tributárias federais vencidas que, dividido pelo número de matrículas total, resulte em valor igual ou superior a R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), observadas as seguintes regras: 
I - o montante de dívidas tributárias federais vencidas engloba as inscritas ou não em Dívida Ativa da União (DAU), as ajuizadas ou não e as com exigibilidade suspensa ou não, em 31 de maio de 2012; e 
II - o número de matrículas total da mantenedora corresponderá ao número de alunos matriculados nas IES vinculadas à mantenedora, de acordo com os dados disponíveis do Censo da Educação Superior, em 31 de maio de 2012. 
[12]. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
[13] Art. 10.  Os débitos discriminados no requerimento de moratória serão consolidados na data do requerimento e deverão ser pagos em até 180 (cento e oitenta) prestações mensais e sucessivas, a partir do 13o mês subsequente à concessão da moratória.
Parágrafo único.  Cada prestação do parcelamento será calculada observando-se os seguintes percentuais mínimos aplicados sobre o valor da dívida consolidada, acrescidos de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao fim do prazo da moratória até o mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado:
I - da 1a a 12a prestação: 0,104% (cento e quatro milésimos por cento);
II - da 13a a 24a prestação: 0,208% (duzentos e oito milésimos por cento);
III - da 25a a 36a prestação: 0,313% (trezentos e treze milésimos por cento);
IV - da 37a a 48a prestação: 0,417% (quatrocentos e dezessete milésimos por cento);
V - da 49a a 60a prestação: 0,521% (quinhentos e vinte e um milésimos por cento);
VI - da 61a a 72a prestação: 0,625% (seiscentos e vinte e cinco milésimos por cento);
VII - da 73a a 84a prestação: 0,729% (setecentos e vinte e nove milésimos por cento);
VIII - da 85a a 144a prestação: 0,833% (oitocentos e trinta e três milésimos por cento);
IX - da 145a a 156a prestação: 0,625% (seiscentos e vinte e cinco milésimos por cento);
X - da 157a a 168a prestação: 0,417% (quatrocentos e dezessete milésimos por cento);
XI - da 169a a 179a prestação: 0,208% (duzentos e oito milésimos por cento); e
XII - a 180a prestação: o saldo devedor remanescente.

[14]. Art. 20.  Em relação ao disposto nos incisos III e IV do art. 8o, o MEC fará, periodicamente, auditorias de conformidade com os padrões estabelecidos e, se for o caso, representará à PGFN para a revogação da moratória concedida por descumprimento ao disposto nesta Lei e procederá à instauração de processo administrativo de descredenciamento da instituição por descumprimento do disposto no inciso III do art. 7o da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
§ 1o  A rescisão do parcelamento por qualquer motivo ensejará abertura de processo de supervisão por descumprimento do disposto no inciso III do art. 7o da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
§ 2o  Para os fins de que trata o caput, a PGFN informará ao MEC o montante consolidado da dívida parcelada nos termos do art. 10, bem como o regular cumprimento das obrigações dispostas nos incisos I e II do art. 8o.