Em épocas de eleições para as
seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, é possível observar intensas
mobilizações dos colegas advogados em prol de alguma justificativa ideológica
que lhes credenciem ao prestigioso múnus de assumir a representatividade da OAB
em suas respectivas regiões. Com o decorrer dos anos, a disputa eleitoral na
OAB ganhou contornos político-institucionais, em alguns casos, muito mais
amplos do que algumas eleições municipais, demonstrando a importância deste
pleito.
Como advogado sediado em Brasília,
embora com escritórios em outras regiões do país, pude constatar, ao longo da
minha carreira profissional, que essa disputa é vista sob dois pontos de vista
aparentemente antagônicos: com entusiasmo, muitas vezes cego e acrítico, ou por
meio de uma atitude de total indiferença. Os entusiastas geralmente estão
inseridos na composição de alguma chapa e os indiferentes estão voltados exclusivamente
para os seus escritórios. Independentemente da opção, ambos estão ligados pela
importância que a OAB representa para a sociedade.
No entanto, quando o advogado se
depara com determinados embates eleitorais em algumas seccionais, depara-se
também com situações que lhe impõem assumir uma posição de ostracismo, eis que algumas
campanhas são guiadas pelo cabedal meramente econômico e pessoal. Nessas
campanhas, não se busca uma coesão para a advocacia, tão fustigada no
quotidiano forense, mas a coesão para um projeto pessoal ou mesmo político. A
OAB, por intermédio de suas seccionais, se transforma em um trampolim
profissional para ambições políticas, conforme se pode constatar nas recentes
eleições municipais, assim como ocorreu no município de São Paulo.
Na esmagadora maioria das seccionais
da ordem, porém, pode-se observar que as disputas são marcadas por um dualismo quase
inexistente, ou seja, as propostas e as ideias praticamente não se divergem,
pois são alçadas como plataformas comuns: transparência, gestão participativa,
atenção aos interesses dos advogados, defesa das prerrogativas, etc. As
pequenas diferenças entre os projetos, a exemplo da recorrente proposta de
diminuir o custo da contribuição de interesse da categoria (anuidade), se
afigura como uma migalha que jamais deveria ser considerada como uma proposta de
fato. Parece o leilão de quem dá menos, o que jamais deveria ser objeto de
consideração pelo advogado.
Como o dualismo de propostas e
ideias é praticamente inexistente, a disputa então sai da esfera institucional
e entra na esfera moral. O advogado passa a ser vasculhado em sua vida
profissional e pessoal, sendo moralmente interpelado por aquilo que fez ou
deixou de fazer no contexto profissional. Até mesmo o critério ético é invocado
quando da escolha de um membro da composição de chapa, sob o vetusto argumento
calcado no provérbio bíblico: “diz-me com
quem tu andas e eu te direi que és.” Nesse caso, o candidato é avalizado
até mesmo pelo que não fez.
Concomitantemente, as mídias sociais
também passaram a ser utilizadas como instrumentos eleitoreiros no pleito das
seccionais da OAB, assim como acontece nas demais campanhas para cargos
públicos no país. Ao contrário da liberdade que se supõe a um cidadão comum em
plena campanha para o pleito ao legislativo municipal, por exemplo, com a
utilização de alcunhas por vezes jocosas, o advogado deve ter responsabilidade
e a consciência sobre a extensão daquilo que divulga nas mídias sociais. No
entanto, não é isso que se observa na prática.
O que se pode constatar é que as
mídias sociais vêm sendo utilizadas pelos advogados, em suas respectivas
campanhas, como uma forma de conspurcar a imagem do opositor imediato,
desabonando as boas qualidades do profissional em face do pleito. O candidato
utiliza-se do Twitter para desejar
bom dia e boa noite aos eleitores, além de escudar-se em vários partidários
para propagar qualquer tipo de informação, verídica ou não. O e-mail de todos
os advogados do Brasil sofre com a enxurrada de spans dos candidatos, sem ao
menos dar a oportunidade para o advogado se manifestar sobre a intenção de
recebê-los, o que valeria uma atitude volitiva por parte do Conselho Federal da
OAB. O Facebook é utilizado para a
pretensa divulgação da plataforma eleitoral, mas muitas vezes perde até o
sentido.
Em Brasília, por exemplo, há um
grupo de discussão no Facebook
intitulado “OAB/DF” (https://www.facebook.com/groups/OABDF/),
com um moderador e com mais de três mil convidados, cujo objetivo seria
discutir propostas entre todos os candidatos que concorrem no pleito local. No
entanto, o que se pode extrair do referido grupo de discussão é a existência de
achincalhamentos pessoais, inclusive de advogados que nada têm a ver com o
pleito, além do marketing pessoal mais rasteiro e de discussões filosóficas sem
qualquer sentido. A ideia é extremamente válida, mas alguns advogados distorcem
o mecanismo justamente porque têm interesse eleitoreiro no funcionamento
enviesado desta mídia social.
O advogado, na qualidade de
profissional eminentemente político, haja vista que, no seu ministério privado,
presta serviço público e exerce função social[1],
tem o dever de assumir uma posição valorativa dentro do contexto eleitoral nas
respectivas seccionais da OAB. A discussão moral em torno de um pleito
representativo em alguma seccional da OAB se consubstancia em uma discussão
moral sobre a própria atuação do advogado, prodigalizando a imagem do mesmo em
face de uma única virtude e salvaguarda, a sua própria honra, prevista no art.
31 da Lei n.° 8.906, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Em outras palavras, a disputa
eleitoral para as seccionais da OAB muitas vezes é procedida de forma que desqualifica
o advogado como merecedor de respeito e também não contribui para o prestígio
da classe e da advocacia, assim como disciplina o dispositivo supracitado. Se o
próprio advogado candidato revela temor, insegurança, insatisfação moral e até
mesmo desprezo para com o seu oponente imediato, evidentemente que passa a
demonstrar certo anseio ou aflição aos princípios que permeiam a atuação do
outro profissional e, por via de consequência, da própria profissão. Não
imagine que a sociedade esteja alheia a esses fatos.
A predominância da percepção
negativa acima corrói e reduz os fundamentos que atribuíram à advocacia um
ideal de excelência profissional em prol da sociedade, o que contribui para a
desvalorização do advogado e da advocacia. Nesse sentido, no campo das práticas
morais e das formulações éticas correspondentes, vive-se o domínio e o
incentivo à exclusividade da individualidade. Esta muito tem fascinado as
pessoas, conduzindo-as prioritariamente à busca de soluções de seus problemas[2].
Talvez seja justamente esse o grande dilema em torno de algumas disputas eleitorais
para as seccionais da OAB.
O
mandato para a representação local da OAB, enquanto múnus público, assume o
papel norteador de toda forma de conduta do advogado em cada seccional, devendo
o advogado compreender que ele representa muito mais do que um mero ente representativo,
mas que também que faz parte de um corpo moral e coletivo esperado por toda
sociedade, dotado de prerrogativas que visam a defesa do cidadão e do Estado
Democrático de Direito. Por essa razão, a disputa eleitoral na OAB deve ser
objeto profundas reflexões para que o pleito não venha a macular a imagem do
advogado e da advocacia.
A
representação da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil se constitui como a
expressão do altruísmo que todos os advogados deviriam ter em benefício da
própria profissão, assim como na lição de Nietzsche: “a nossa fé nos outros revela aquilo que desejaríamos crer em nós
mesmos.”[3]
Nesse sentido, advogar em prol do respeito, do bom senso, da acuidade e do zelo
no processo eleitoral na OAB é advogar para a própria advocacia, eis que,
independentemente do ganhador, a representatividade da ordem será espelho de
nós mesmos.
[1]. Art. 2°, §1°, da Lei n.°
8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a
Ordem dos Advogados do Brasil.
[2].
SILVA, Daniel Cavalcante. O Direito do
Advogado em 3D: uma análise sobre o advogado moderno e um legado às gerações
futuras. Brasília: Ensinamento Editora, 2012, p. 91.