A evolução
política do homem passou por uma série de transformações ao longo da história.
Neste ínterim, engendrou-se experiências políticas, como a teoria aplicada no
regime feudal, na monarquia, no parlamentarismo, enfim, em todos os regimes
representativos. Entretanto, por mais que houvesse diversidade nas condições
sociais e históricas de cada país ou Estado, sempre se considerou a premissa da
representatividade como a viga fundamental de qualquer regime político.
O regime
representativo, independentemente de sua diversidade, é um pressuposto da
deliberação popular, que, por ordem natural de unanimidade política, elege ou
depõe um presidente ou, até mesmo, um rei. Nesse sentido, o regime
representativo possui a sua base propedêutica no “pacto social”, difundido por
Jean-Jacques Rousseau, com a seguinte finalidade:
“Achar uma forma
de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de
cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça, todavia senão
a si mesmo e fique tão livre como antes”. 1
O contrato
social induz à suprema direção da vontade geral, fazendo com que esta
“associação” produza um corpo moral e coletivo. A pessoa pública formava-se
pela união da vontade de todas as outras pessoas e o corpo político, o qual era
por seus membros chamado de Estado, representava a soberania do povo.
Com o
decorrer da história, como alhures explicitado, vários regimes representativos
foram se sobrepondo, mas sempre com a ideia basilar da deliberação pública como
forma de manutenção do pacto social. Hodiernamente os pilares políticos são os
mesmos, com uma roupagem diferente, mas com a mesma ideologia representativa.
Na acepção
política, a expressão “regime representativo” designa o sistema constitucional
no qual o povo se governa por intermédio de seus eleitos. Esse regime implica,
portanto, em certa participação dos cidadãos na gestão da coisa pública,
participação que se exerce na forma e na medida da unanimidade política. O
ponto de vista jurídico possui um paradigma semelhante, como ensina o Prof.
Darcy Azambuja, verbis:
“Do ponto de vista
rigorosamente jurídico, o regime representativo repousa na presunção legal de
que as manifestações da vontade de certos indivíduos ou grupo de indivíduos têm
a mesma força e produzem os mesmos efeitos como se emanassem diretamente da
nação, em que reside a soberania”. 2
Os
substratos gerais da representatividade pública estão na soberania nacional, na
vontade geral e no “eu comum”, que
seria a unidade da vontade geral, descrita por Rousseau. A nação delega o
exercício do poder aos seus representantes, continuando, porém, como a fonte de
toda autoridade.
A ideia de
eleger representantes incide em um curioso conceito de mandato. Deve-se
entender o termo “mandato” em sentido amplo, em que a nação seria o mandante e
os indivíduos eleitos seriam os mandatários, englobando, inclusive, os
representantes públicos que exercem cargos de confiança, os concursados e os
que atuam em nome do “eu comum”.
Parafraseando o Professor Azambuja, passa-se para o Direito Público um
instituto de Direito Privado, procurando afeiçoar às suas regras gerais os
fenômenos de ordem política que integram a organização e o funcionamento do
regime representativo.
Neste
caso, o mandato seria o dever dos mandatários em suprir as aspirações dos
mandantes, ou seja, um mandato representativo. É dever dos mandatários
responder aos mandantes pela maneira como cumpre o mandato e pelo modo como
exerce as funções legislativas. Tem-se, em tese, por um mandato representativo
as características usuais de um mandato-contrato, o qual tem a mesma ideologia
do contrato social.
Entretanto,
como toda tese tem sua antítese, nas relações que se estabelecem entre a nação
e os eleitos, juridicamente, não há vinculação entre mandante e mandatário,
outorgante ou procurador. Primeiro porque o mandato pressupõe uma pessoa que
outorga e outra que recebe para executar, assim, um deputado representa toda a
nação e não somente aqueles que o elegeu. Segundo, a revogabilidade pelo
mandante, em que um representante (deputado ou senador) não pode ser destituído
diretamente pelos seus eleitores, embora os eleitores possam encetar
providências políticas para tal intento. E terceiro, no regime representativo o
representante eleito não fica adstrito à vontade de seus eleitores, o que
enseja, por exemplo, casos de improbidade administrativa sem que haja a devida
punição.
Já o
mandato advocatício tem uma característica bastante peculiar, pois envolve um
tipo de mandato-contrato e de um mandato representativo de múnus público, sendo
este uma atribuição peculiar inerente ao advogado. O mandato advocatício
perpassa a simples barreira de uma relação contratual, incidindo também na
responsabilidade adquirida pelo advogado perante a sociedade em virtude de seu
múnus público adquirido. Surge, então, a função social do advogado como se
derivasse da vontade da sociedade, formando um corpo moral e ético esperado na
atuação advocatícia diante do foro.
Fazendo
uma analogia ao mandato representativo popular, segundo a teoria de
Montesquieu, logo que fossem escolhidos os representantes do povo para
assumirem tão privilegiado múnus público, estariam prontos para governarem com
inteira independência, tendo os seus atos e resoluções não dependentes de
ratificação popular, pois são tidos como a própria expressão da soberania
nacional.
O mandato
advocatício conota uma certa independência do Advogado em seus atos, tal como o
mandato representativo popular, sendo os atos e procedimentos do Advogado uma
expressão do seu representado perante os tribunais e demais esferas da justiça.
A independência do advogado diante do processo transcende o âmbito forense,
incidindo também no papel harmonizador das relações sociais. O art. 133 da
Constituição Federal é bastante claro quando preconiza a indispensabilidade do
Advogado à administração da Justiça, sendo esta um reflexo da função social do
Advogado.
Não há que
se negar à procedência dos argumentos de Montesquieu aplicado na sociedade
moderna, tendo-se em vista que o regime representativo é a organização da
confiança pautada na soberania popular ou individual, sendo que o que reina
hoje em dia é o abuso de confiança. Considerando que a atuação do advogado
representará a vontade da sociedade na defesa dos mais diversos interesses,
incide em abuso de confiança e desrespeito a função social o advogado que
faltar com a ética no exercício da advocacia nos diversos âmbitos do
judiciário. Portanto, a falta ética passa a ser um desrespeito à função social
do advogado e à sociedade.
O que se
pode notar é que a vida política e social dos povos, ao longo do tempo,
desmentiram as ilusões do regime representativo (mandato) como forma moderna e
aperfeiçoada da democracia, mas atualmente esta ganhou um novo ímpeto, com a
irresignação popular e individual, incidindo na atuação de órgãos que veem o
que os cidadãos leigos não veem, órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil. A
OAB, por meio do Conselho de Ética e Disciplina, assumiu o papel norteador de
toda forma de conduta do advogado, fazendo-o entender que ele representa muito
mais do que um simples ente de uma relação contratual, mas que também faz parte
de um corpo moral e coletivo esperado por toda sociedade.
A OAB, de
certa maneira, abraça a teoria de Montesquieu quando pune o advogado que não
segue o Código de Ética e Disciplina da OAB, sendo esta atribuição punitiva uma
forma potencializada e melhorada que representa os anseios da sociedade. A OAB
age no sentido de selecionar os mais capacitados e austeros profissionais
diante da falta de ética que paira na advocacia. É uma benesse à sociedade
perpetrada por uma instituição que representa os seus anseios, conforme pregava
Montesquieu.
“O povo que possui
o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode realizar corretamente,
e aquilo que não pode realizar corretamente cumpre que o faça por intermédio de
seus ministros. (...) O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve
confiar parte de sua autoridade” (L. II, Cap. II). 3
A consciência roedora dos
irresignados está representada atualmente na atuação da Ordem dos Advogados do
Brasil como forma de coibir virtuais afrontas aos princípios democráticos. A
OAB tem uma atribuição muito maior do que uma entidade representativa de classe
ou um órgão estritamente jurídico, mas assume o papel de defensora do múnus
público atribuído ao advogado, para que este saiba que a sua função social é
essencial para a democracia e para a defesa do contrato social.
O conceito de mandato para o
político e para o advogado guarda mais semelhança do que se imagina. Desta
feita, a presente analogia busca evidenciar que a promoção
do bem comum é objetivo indissociável na outorga de qualquer mandato, seja ele
representativo popular ou mesmo um mandado advocatício, representando igual
nobreza na busca de uma sociedade livre e justa.
Referência Bibliográfica:
1 - AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Globo, 1996, pág. 266.
2 - MONTESQUIEU, Charles Louis de
Secondat, baron de la Brède et de. O Espírito das Leis.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, págs. 9 e 10.
3 - ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Editora
Martin Claret, 2000, pág. 31.
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